E aí, será que o dólar sobe mês que vem? Essa talvez seja uma das perguntas que mais ouvi de clientes e amigos desde que comecei a trabalhar no mercado de câmbio. De certa forma, percebi que ela se assemelha muito a perguntas sobre o tempo. Algo como: será que chove semana que vem?
Por mais que existam indícios e estudos que nos levem a um entendimento – análises econômicas e meteorológicas – nunca temos 100% de certeza sobre a resposta. São tantos fatores diferentes envolvidos, sobre os quais temos pouquíssimo controle, que precisaríamos de uma bola de cristal para colocar a mão no fogo e dar uma resposta absoluta.
É a velha lógica do Cisne Negro de Taleb, que fala sobre os eventos imprevisíveis que encontramos durante o tempo. Quem diria que teríamos uma pandemia mundial em 2020, que faria o mercado entrar em colapso e o dólar disparar?
Ou ainda, quem apostaria que em pleno 2022, estaríamos vivenciando uma guerra, que prejudicaria o abastecimento de combustíveis e alimentos no mundo, trazendo vantagens econômicas para o mercado brasileiro?
Se analisarmos o contexto histórico, a verdade é que sempre teremos eventos imprevisíveis e épocas de crise. Nossos pais viveram momentos de crise. Nós vivemos e viveremos tempos de crise. E não será diferente para os nossos filhos.
Se isso é uma verdade, pensando no mercado cambial, o que prevalece em tempos de crise?
USD/BRL
Já diria Warren Buffet: “never bet against america”. Ou ainda Boris Johnson, que ao renunciar ao cargo de primeiro-ministro britânico, sugere ao seu sucessor: “stay close to the Americans”. O dólar vem se provando, ao longo dos anos, o destino favorito para aqueles que buscam segurança para o seu patrimônio.
Hora, se sempre existirão tempos de crise e se em tempos de crise buscamos segurança, temos uma pista do caminho que a cotação do dólar frente ao real deve seguir.
Se você é um dos nossos clientes, provavelmente fique feliz com essa percepção. Contudo, não é essa a pergunta que queremos responder aqui.
Afinal de contas, o dólar sobe mês que vem? Existe uma lógica simples, que pode trazer um olhar diferente para este questionamento. Já ouviu falar de oferta e demanda?
Pense no dólar como um recurso qualquer, que pode ser trocado por uma quantia de reais no mercado. Se este recurso é muito abundante e todos têm acesso, como a água, trocaremos ele por um volume pequeno de reais. Se ele é escasso, como aquele setup dos sonhos para o seu home office, precisamos trocar por uma quantia maior de reais.
Seguindo essa lógica, quanto mais dólares estiverem “circulando” dentro do Brasil, menor será a cotação do dólar frente ao real. Quanto menor a circulação de dólar dentro do nosso país, maior será a cotação dele. Pura oferta e demanda.
Para simplificar, aqui estão alguns pontos que podem gerar a entrada ou saída de USD no Brasil:
Entrada de USD
- Mercado de renda variável brasileiro em situações atrativas para investimento;
- Taxa de juros alta (Selic) e inflação controlada, fazendo com que o mercado de renda fixa brasileiro esteja atrativo para investidores estrangeiros;
- Cumprimento da responsabilidade fiscal pelo governo, reduzindo a percepção de risco do país para investidores estrangeiros;
- Aumento do preço das commodities, uma vez que somos um país exportador deste tipo de produto;
- Aumento do consumo de commodities ao redor do mundo, aumentando os níveis de exportações;
- Situação econômica mundial controlada (menor risco), direcionando investimentos para países emergentes que tenham um maior prêmio (maior retorno);
- Retração econômica de outros mercados emergentes.
Saída de USD
- Mercado de renda variável com falta de atratividade na relação risco/retorno, frente a outros países;
- Taxa de juros baixa e inflação descontrolada;
- Governo aumentando o endividamento público (gastando mais do que pode), gerando maior risco para os investimentos brasileiros;
- Queda no preço das commodities;
- Consumo de commodities diminuindo ao redor do mundo (recessão em países no exterior), diminuindo os níveis de exportação;
- Percepção de risco econômico mundial elevado, levando investimentos para países considerados mais seguros, como os EUA;
- Retração econômica do mercado brasileiro (PIB).
Exemplificando esta ideia, vamos ver o que aconteceu no início de 2022.
A guerra entre Rússia e Ucrânia fez com que os preços das commodities saltassem ao redor do mundo.
Investimentos em países emergentes, como a Rússia e a Ucrânia, se tornaram muito arriscados, fazendo com que investidores levassem seus valores para países emergentes menos arriscados (Brasil).
Países europeus viram sua inflação disparar, à medida que os estoques de fontes de energia começaram a ficar escassos, já que são dependentes energéticos da Rússia. Com taxas de juros próximas a zero, os investimentos em renda fixa perderam atratividade. As empresas precisaram frear projetos e reduzir o crescimento esperado.
Por outro lado, durante a pandemia, o Brasil foi um dos países que iniciou mais cedo o aumento das taxas de juros para combater a inflação, tornando o mercado de renda fixa muito atrativo.
Ainda, o mercado de renda variável brasileiro se encontrava “barato”. Linguagem do mercado para dizer que o preço das ações brasileiras estava baixo, considerando os resultados que as empresas estavam entregando.
Esses e outros fatores, mesmo em um cenário de estresse econômico mundial e de dólar valorizado, fizeram com que a entrada de dólares no Brasil batesse recordes. Valorizando o real frente ao dólar, que iniciou 2022 em R$ 5,57 e ao final de março estivesse cotado em R$ 4,74.
Entendendo isso, a pergunta que antes era “será que o dólar sobe mês que vem?”, passa a ser “a entrada de dólares no país será maior que a saída de dólares no próximo mês?”.